Portugal - Há 800 mil cuidadores informais em Portugal e estatuto é passo para a dignidade

Em Portugal, estima-se, há 800 mil cuidadores informais, 8% da população.

 

 Em Portugal, estima-se, há 800 mil cuidadores informais, 8% da população.

 

 Prestam cuidados a familiares e gente próxima sem receber nada em troca. 

 

 A Associação Cuidadores de Portugal nasceu em 2007 por não existirem respostas no país para pessoas que dão de si por amor ao outro.

 

 A grande luta foi a criação do estatuto de cuidador informal.

 

 Uma conquista, um primeiro passo.  


Agora, há um caminho a percorrer e uma chamada de atenção: muitos cuidadores estão no limite e em situação de pobreza por não poderem trabalhar.

 Nesta entrevista Bruno Alves, Coordenador da Cuidadores Portugal e Membro do Conselho de Administração Executiva da Rede Europeia de Cuidadores, Eurocarers (Bruxelas) e Ana Ribas, Vice-Presidente da Cuidadores Portugal e coordenadora nacional Informcare dão a conhecer a Associação Cuidadores de Portugal e as suas principais prioridades.

  Fernanda Castro Agência de Informação Norte 

 

– Qual é a melhor forma de definirmos um “Cuidador Informal”? 


Bruno Alves – Um cuidador informal é a pessoa que presta cuidados aos seus familiares e outros conviventes significativos, numa situação de doença crónica, deficiência e/ou dependência, numa condição de fragilidade ou necessidade de outros cuidados.

 O cuidador informal é, assim, a pessoa da rede social do próprio, não remunerada, com relação afetiva que se assume como o responsável pela organização, assistência e/ou prestação de cuidados.  

É presidente da Associação Cuidadores de Portugal. 

Em que altura e como nasce este projeto?

  Bruno Alves – Este projeto surge de duas teses de doutoramento na faculdade de Medicina da Universidade de Santiago de Compostela.

 Na altura pensámos que era urgente intervir dada a ausência de respostas em Portugal.

 A Associação existe informalmente desde 2007, sendo registada mais tarde, mas penso que muito provavelmente seremos das primeiras, senão a primeira organização nacional orientada só para os cuidadores informais, independentemente da sua condição.

 Em 2015 iniciámos medidas para a introdução política da importância da criação do estatuto do cuidador informal em Portugal – fomos os primeiros e organizámos o primeiro encontro nacional de associações de cuidadores.

  Mas na verdade qual é a sua grande missão?


  Bruno Alves – Neste momento a nossa missão é lutar pelo reconhecimento dos cuidadores informais e os seus direitos e, isto significa a criação do estatuto.

 Em 2016 a nossa participação na iniciativa escocesa Carers Parliament na preparação do estatuto do cuidador escocês Carers Scotland Act 2016 foi extremamente útil e gratificante.

 Muitas das boas práticas internacionais acabaram inclusivamente por vir a ser integradas no documento “Medidas de intervenção junto dos cuidadores informais”, documento este que tinha como orientação a criação de um suporte técnico para apoio à decisão política nesta matéria.

 A nível de Bruxelas convidámos os eurodeputados eleitos por Portugal no sentido de se juntarem a outros colegas eurodeputados para se criarem sociedades amigas dos cuidadores; iniciativa esta promovida pela rede europeia de cuidadores, a Eurocarers.

 Em 2018, e também numa iniciativa promovida pela Eurocarers, tivemos a oportunidade de estar presentes no Parlamento Europeu em Bruxelas apresentando os pilares facilitadores fundamentais para que os cuidadores continuem o seu papel e, na qual lutamos, mais uma vez, pelo direito a serem reconhecidos.

  Todos sabemos que cuidar é um ato nobre e em simultâneo com um grau elevado de exigência.

 

 Se o cuidador não tiver apoios e não cuidar de si, tudo pode ficar comprometido, é isso?


  Bruno Alves – Uma parte significativa dos cuidadores vive para o outro e muitos negligenciam o seu autocuidado.

 Deixam de cuidar de si e esquecem-se que este não é nem pode ser o caminho de só existir para o outro.

Se o cuidador está em sobrecarga física ou psicológica, poderá tal condição pôr em risco a sua saúde física e mental.

 Assim, em vez de uma pessoa que precisa de cuidados passamos a ter duas e, com probabilidade significativa de conduzir para a institucionalização da pessoa cuidada. Sentimentos de culpa, isolamento, raiva, frustração, ansiedade, depressão podem estar presentes, bem como maior probabilidade de ter menor qualidade de vida, risco de pobreza, isolamento e exclusão social comparativamente com os não cuidadores.

 São precisos apoios, pois muitos cuidadores estão no limite. Dia Europeu do Criador para breve No fundo qual é o principal objetivo da rede e qu ais os seus projetos? Ana Ribas – Neste momento estamos, a nível europeu, a lutar pela criação de sociedades mais amigas dos cuidadores. Mantemos o contacto e reuniões com os eurodeputados.

 Estamos igualmente, internamente, com os colegas de outros países da Europa a criar o dia europeu do cuidador, pois em toda a Europa as datas são distintas. Haverá novidades em breve.

 A nível nacional a nossa intervenção tem sido colaborativa, com investimento forte na vertente da inovação.  

Qual o seu ponto de vista sobre o SNS e os cuidadores? 

 

Ana Ribas-Acreditamos e defendemos um Serviço Nacional de Saúde amigo dos cuidadores. Hoje temos vindo a assistir, de facto, a um reforço das respostas como por exemplo da rede de cuidados continuados, hospitalização domiciliária, cuidados paliativos e cuidados de saúde primários.

O maior número de intervenções dirigidas aos cuidadores são das unidades de cuidados na comunidade (UCC) assim como das suas equipas de cuidados continuados integrados (ECCI).

Se não fosse a existência destas respostas, os cuidadores teriam mais dificuldades bem como a pessoa cuidada.

Temos excelentes recursos humanos, mas é necessário uma política de continuidade de reforço de investimento no SNS.

  Que atividades a Associação tem vindo a desenvolver?


  Bruno Alves – Investimento em inovação, ações de sensibilização e colaboração.

 Participação em eventos científicos para dar visibilidade à questão dos cuidadores junto dos profissionais de saúde.

 A nível da comunidade estamos a desenvolver com a Câmara Municipal de Gaia um projeto para melhor apoiar os jovens cuidadores. Recentemente, com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, desenvolvemos programas de rádio de capacitação aos cuidadores, convidando as Ordens profissionais:

 Ordem dos médicos, dos enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos e dos nutricionistas.

Cada profissional deu conselhos aos cuidadores. Foi muito interessante pois muitos cuidadores não dominam ou não têm forma de aceder à internet e às novas tecnologias.

 A radio é um excelente veículo de informação.

  Quais são as principais doenças ou outras situações que exigem a presença de um Cuidador Informal? 


Bruno Alves – Situações de fragilidade, consumo de substâncias, doença aguda ou crónica e incapacidade podem exigir a participação de um cuidador informal.

 No percurso de cuidados, os cuidadores têm experiências distintas que dependem das características da pessoa cuidada, das características do cuidador e do próprio contexto.

  Quantos Cuidadores Informais existem em Portugal?


  Ana Ribas – Com base nos estudos internacionais sobre a percentagem de cuidadores a nível Europeu, estimamos ser 8% da população de Portugal, cerca de 800 mil cuidadores de pessoas em situação não apenas de doença ou incapacidade, mas também de pessoas em situação de fragilidade.  

São muitos os problemas com que um Cuidador se depara em Portugal? 


Ana Ribas – Existem ainda muitos desafios como a universalidade e a acessibilidade das respostas sociais e de saúde.

 As principais dificuldades residem ainda na necessidade de reforçar as respostas existentes; medidas que permitam uma melhor conciliação entre trabalho e vida familiar; reforço do apoio domiciliário; otimização do descanso do cuidador; respostas em tempo útil e reforço substancial dos apoios e subsídios. Como pode uma pessoa que deixa de trabalhar para cuidar de outra, pagar contas, despesas com saúde e alimentação se viverem os dois com menos de um salário mínimo nacional?

 Há cuidadores que vivem em situação de pobreza. Estatuto ainda tem lacunas Que avaliação faz do Estatuto do Cuidador Informal (ECI), recentemente aprovado pela Assembleia da República, no apoio a estas pessoas, famílias e conviventes significativos?  


Ana Ribas – O reconhecimento dos cuidadores é um passo muito significativo.

Os cuidadores passam a existir à luz da lei e têm o direito a serem tratadas com toda a dignidade.

 É preciso depois alocar um conjunto de medidas para melhor responder às suas necessidades e planear um conjunto de políticas mais eficazes.

 Em todos os países com o estatuto, esta é uma data histórica.

 O presente estatuto representa o início das conquistas, mas é um caminho que se faz caminhando. Estão contidas excelentes iniciativas, muitas das quais sugeridas no grupo de trabalho “medidas de intervenção junto dos cuidadores informais”, como o profissional de saúde de referência; o direito ao aconselhamento, acompanhamento e capacitação; encaminhamento para redes sociais de suporte.

 O presente estatuto refere igualmente o direito ao subsídio de apoio ao cuidador informal; o subsídio de seguro social voluntário e reforço da proteção laboral a sair em regulamentação própria no prazo máximo de 120 dias após entrada em vigor da presente lei, que se prevê estar concluída em janeiro de 2020. Prevê-se ainda a realização de projetos piloto experimentais.

 Mas a atribuição de determinadas medidas está muito orientada e exclusiva para os cuidadores informais principais.

  Quem são os cuidadores informais principais de acordo com o ECI? 


Bruno Alves – O estatuto do cuidador atende principalmente aos cuidadores informais principais que no fundo estão em maior risco de pobreza e de exclusão social e, portanto, os cuidadores sem atividade profissional e que cuidam de forma não remunerada de outra pessoa que necessita de cuidados permanentes e titular de uma das seguintes prestações: a) complemento por dependência de 2º grau; b) subsídio por assistência de terceira pessoa.

 Podem ainda considerar-se os cuidadores de pessoa cuidada que transitoriamente se encontre acamada ou a necessitar de cuidados permanentes e seja titular do complemento por dependência de 1º grau, mediante avaliação especifica dos serviços de verificação de incapacidade do instituto da Segurança Social.  

O que falta neste estatuto do seu ponto de vista?


  Bruno Alves – O estatuto do cuidador é uma realidade se a regulamentação efetiva avançar, estando este muito orientado para os cuidadores (informal principal).

É preciso mais que uma lei. É urgente regulamentar. Há dinâmicas na vertente social e da saúde que precisam de ser operacionalizadas, mas estamos apenas no início de um bom caminho.

Estão igualmente definidos os deveres e os direitos para os cuidadores.  

Mas na sua opinião, as medidas de apoio previstas no ECI, nas áreas da Saúde e Segurança Social, correspondem às necessidades das pessoas, sejam cuidadores ou cuidadas?


  Bruno Alves – As medidas descritas de apoio no ECI necessitam de regulamentação e operacionalização.

O reforço das respostas sociais e de saúde no ECI como o reforço do número disponível de camas para o descanso do cuidador e das respostas da rede de cuidados continuados são exemplos reais que podem melhor apoiar os cuidadores.

 Do nosso ponto de vista gostávamos de ter sido mais ambiciosos e ter a regulamentação concluída, mas sejamos confiantes que nos próximos 120 dias haverá seguimento.

 Fica ainda um caminho de construção e de conquista de mais direitos: a definição do valor do subsídio; medidas de conciliação trabalho/família; apoios financeiros. Gostávamos que se adotasse o modelo escocês e o direito de todos os cuidadores poderem ser avaliados quanto às suas necessidades e, em tempo útil, terem acesso a um plano de apoio ao cuidador personalizado, independentemente do número de horas de cuidado ou dos seus rendimentos.

  Conciliar trabalho/família é futuro Comparando com o contexto internacional como vê o presente e o futuro do Cuidador Informal em Portugal? 


 Ana Ribas – O presente e o futuro do cuidador informal é mais facilitado do que era há 40 anos atrás, com os investimentos realizados, os avanços tecnológicos e a excelência dos profissionais, temos melhores serviços sociais e de saúde.

 As pessoas vivem mais anos e queremos agora dar mais qualidade de vida a esses anos.

 O caminho só ainda agora começou.

 As conquistas são o aqui e o agora pois muitos cuidadores ousaram dizer chega, basta.

 Precisamos do devido reconhecimento e apoios no terreno, no dia a dia dos cuidadores.

 Com base na experiência internacional não se faz a melhor lei do mundo de repente. Mas o caminho tem de ser de construção. É urgente a regulamentação.

  Quais as tendências nesta área a nível internacional?


  Ana Ribas – A nível internacional vivemos um reconhecimento cada vez maior nas políticas sociais e de saúde.

A discussão no parlamento europeu passa pela conciliação entre trabalho/família e medidas para apoiar os trabalhadores. Em termos de Pilar Social Europeu, os cuidadores informais são referidos e as políticas europeias integram-nos cada vez mais.

 Existem países europeus que dada a importância dos cuidadores estão a rever os seus estatutos no sentido de os melhor apoiar.

 A nível europeu tem-se defendido direitos como o da avaliação das suas necessidades; respostas integradas mais eficientes; descanso; conciliação trabalho/família; capacitação e promoção da saúde bem como o reconhecimento das suas competências. Mas também existem países completamente à margem da importância dos cuidadores, geralmente mais pobres e menos competitivos

. Quais as principais fontes de (in)formação disponíveis em Portugal para apoiar estas pessoas e até os profissionais que intervêm nesta área?


  Bruno Alves – Atualmente podem consultar a nossa plataforma INFORMCARE no site

www.cuidadoresportugal.pt.


 A primeira plataforma de informação para os cuidadores construída a nível europeu com mais de 20 países e informação útil na área social, saúde e trabalho para os cuidadores e profissionais.

 O Governo anunciou igualmente a partir desta sexta feira existir no portal e Portugal uma área para os cuidadores informais com informação de especial interesse no âmbito da Segurança Social e da Saúde, sendo também uma ferramenta útil para os profissionais de saúde com especial interesse nesta área.

 O portal passa, assim, a disponibilizar uma área com informação útil para cuidadores e pessoas cuidadas.

O objetivo é proporcionar às pessoas envolvidas um maior conhecimento da situação específica em que se encontram e se atenda de forma personalizada às necessidades e expectativas dos cuidadores e das pessoas cuidadas, contribuindo assim para a promoção da sua qualidade de vida.
 


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