As recentes Paralimpíadas realizadas no Rio de Janeiro ajudaram a ilustrar o poder de superação das pessoas com deficiências – e também a jogar um pouco de luz sobre os inúmeros percalços que eles e elas, atletas ou não, enfrentam no dia a dia.
Uma calçada esburacada pode se tornar um obstáculo intransponível para quem depende de uma cadeira de rodas.
Foi pensando nisso que o engenheiro mecatrônico Júlio Oliveto começou a bolar, em 2009, o conceito do Kit Livre, uma invenção que promete ser o sonho de consumo dos cadeirantes.
O projeto é um dos 12 selecionados do Braskem Labs 2016.
“O Kit é um acessório que pode ser instalado em qualquer modelo de cadeira de rodas manual, nacional ou importada, e transformá-la em um triciclo motorizado elétrico”, diz Júlio.
“Tem um sistema de engate rápido, que o próprio usuário pode acoplar e desacoplar, sem necessidade de auxílio.
É muito útil sobretudo para pisos não pavimentados, de terra, areia… Qualquer tipo de ambiente que normalmente a cadeira de rodas não consegue superar.
A ideia é trazer mais mobilidade, autonomia e independência para quem utiliza o equipamento.”
É como se você pudesse destacar a roda dianteira de uma motocicleta, com guidão e tudo, e encaixá-la na frente da cadeira de rodas (o peso do acessório varia de 15 kg a 28 kg).
Com a vantagem de que esta roda tem seu motor embutido, com uma bateria de lítio que pode ser recarregada em tomada convencional com uso de um carregador próprio, semelhante a um de laptop.
A recarga completa dura quatro horas e permite uma autonomia de 20 a 25 quilômetros. “Mas vai do tipo do uso. Se for por uma pessoa mais leve, em local plano, essa autonomia pode subir para 30 km, até 40 km.”
A ideia surgiu quando o hoje doutorando Júlio, de 31 anos, iniciava o mestrado em engenharia elétrica.
Resolveu concentrar seu projeto em tecnologias assistivas e, em 2011, criou o primeiro protótipo. Após dar entrada no pedido de patente, seguiu pesquisando, trabalhando conforme o feedback dos usuários para alinhar o projeto à ideia de desenho universal. Em 2014, ele e os sócios – o irmão gêmeo Lúcio, administrador, e o engenheiro de produção Eduardo Matsumoto – abriram a empresa, batizada de LIVRE.
“Participamos de um concurso de empreendedorismo, fomos uns dos vencedores e conseguimos um aporte para construir um pequeno lote.”
Com sede em São José dos Campos, cidade dos irmãos, a LIVRE tem 11 pessoas na equipe, incluindo os sócios.
“Eu fico na parte de inovação. Lúcio cuida da parte administrativa e o Eduardo, da questão produtiva. Temos quatro técnicos na montagem e quatro pessoas envolvidas na área comercial, no marketing e na parte fiscal.”
Essa equipe enxuta dá conta de uma produção mensal de 20 a 25 unidades – a meta é chegar a 40/mês ao fim de 2016.
Desde o lançamento do produto, em abril de 2015, foram comercializados 220 Kits, incluindo vendas pontuais para Estados Unidos, Austrália e Alemanha.
“No Brasil, estamos presentes em 17 estados.” Sudeste e Sul respondem pela maior parte das vendas. Democratizar o Kit Livre é um dos desafios.
O modelo mais barato, com motor de 250 watts e painel de LED com indicador de bateria, custa R$ 4.990.
Os mais robustos incluem motor de 850 ou 1000 watts, suspensão, painel de LCD com funcionalidades como velocímetro e indicadores de quilometragem rodada, tempo de uso e acionamento do farol dianteiro – o preço pode ultrapassar R$ 9 mil.
A velocidade também varia, de 20 km/h a até 42 km/h nos modelos esportivos. “Temos ainda um modelo estilizado, com 1.500 watts, que lembra o conceito das motos tipo Harley Davidson.”
Segundo Júlio, a experiência no Braskem Labs 2016 está sendo positiva e deve render frutos concretos muito em breve.
“Entramos com a expectativa de aproveitar toda a mentoria que a Endeavor e a Braskem oferecem para questões de evaluation, estrutura de custo, formação de empresa…
Tudo aquilo que a gente queria entender. E foi interessante que no primeiro dia presencial nós conhecemos um mentor da rede da Endeavor que investe em negócios de impacto social.
Tivemos esse primeiro contato e agora estamos na fase final para acertar o investimento que ele fará na LIVRE, e que vai nos permitir escalar.”
A visibilidade gerada por seu invento rendeu a Júlio um convite para conduzir a tocha olímpica em São José dos Campos.
Outras cinco pessoas carregaram a tocha usando o Kit Livre. “Teve gente em Aracaju, Niterói, São Paulo, Porto Alegre…”
Alguns meses antes dos Jogos, a empresa organizou um evento no Parque Madureira, Zona Norte do Rio. “Reunimos 75 cadeirantes.
Alguns já eram usuários, a maioria foi para conhecer o Kit. As pessoas podiam usar o equipamento na pista de skate, fazer um test-drive – a gente chama de Livre-drive.
Entravam na pista e caíam, aí vinham na tenda de assistência e falavam: ‘olha, está tudo bem comigo, mas dá uma olhada no meu Kit, acho que entortou!’”
Elevar a auto-estima dos usuários é mais um benefício do Kit Livre. “O design foi pensado para tirar o caráter hospitalar relacionado à cadeira de rodas.
Outro dia, ouvi de um cliente que chama o Kit de ‘motinha’, ele disse: ‘Meu, quando eu estou com a ‘motinha’, o negócio faz o maior sucesso, todo mundo fica me parando e perguntando!’.
E é legal, porque dificilmente a pessoa ‘andante’ aborda o cadeirante de forma espontânea. Mas quando ele está usando o Kit, desperta uma curiosidade. E quem antes não era visto começa a ser percebido.”
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